quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

os poetas dos meus dias

o verdadeiro poeta dos meus dias
escolhe as palavras como um crivo
dentre as páginas imensas do dicionário,

o verdadeiro poeta dos meus dias
faz dos versos flores vazias
tanto quanto as rosas eternas que ornam um campanário,

o verdadeiro poeta dos meus dias
usa o mais inaudito e inescrito verbo
e mascara assim o ego ordinário,

o verdadeiro poeta dos meus dias
matou as torrentes, calou os ventos,
e vive nesse estreito gabinete de ar condicionado,
à espera que as palavras lhe surjam caras,
requintadas, despojadas de ira, amor ou ironia.

o verdadeiro poeta dos meus dias
versa em rimas sobre os clássicos,
brada aos céus, ou aos amores,
menos à terra, terrena e rente
como uma erva daninha, feia e raquítica.

o verdadeiro poeta dos meus dias
silenciou os choros e os gritos,
trouxe hipérboles mestástases sinédoques metonímias
e outras ilusões.

e eis que na busca pretensiosa de o não ser,
me infectam os poetas de hoje,
me contagiam os versos,
e os pulmões.

6 comentários:

Maria disse...

Boa noite, Poeta dos teus dias...

:)

leal maria disse...

Poderemos nós ficar imunes às coisas do mundo? Podemos sempre exibir, vaidosos; a pretensão de pelo menos o tentar-mos! Mas nada melhor de que ser do mundo, e que mesmo a desejar-nos dele diferentes, nele tomemos parte na tentativa de lhe também segurar-mos as rédeas. À força de tanto puxar-mos, talvez ele tenda a ir (ainda que tenuemente) para o lado do nosso desejo. Mas eu sou do mundo! O meu deus é esta aventura do Homem a criar-se e recriar-se deus.


Tens razão; aquele sitio não tinha a suficiente dignidade para o teu poema! é O HADES dos lugares comuns. Pena que ainda não estejam lá todos!

Irene Sá disse...

Deixa a AR e dedica-te à poesia.
És um Alegre ao contrário.

utopia das palavras disse...

O verdadeiro poeta dos meus dias, incita as palavras à revolta, incende fogueiras onde ardem versos que amam e desenha em cada poema os medos e a ilusão de cada sílaba!

Quero que sejam assim todos os poetas!

Beijo

miguel disse...

Infelizmente, utopia, os poetas dos meus dias estão a matar esses versos incandescentes. e o verdadeiro poeta é cada vez mais asséptico, limpo, higiénico.

Como é óbvio, a poesia quer-se tão suja como a alma. E este poema é apenas um desabafo sobre a tendência classicista que se vai revivendo e que, dada a nossa permeabilidade, infelizmente, a todos nos afecta.

Anónimo disse...

Beijas as palavras!!! Parabéns!