quarta-feira, 21 de julho de 2010

cada vez mais (des)complexo

viaja eternamente
suave
ternamente.
ignoras as rimas
a vida
e principalmente
ignora rotundamente
os segundos, minutos, horas e anos,
que orbitam a tua mente.

terça-feira, 13 de julho de 2010

quando vierem despejar-te aos pés o mundo,
reduziste-te ao pó dos outros.

sangue

hoje precisava de uma alma.
e há mesmo quem diga que uma me falta todos os dias.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Seppuku

Com a chegada de Março, as cerejeiras de inverno começavam lentamente a despedir-se das flores que as cobriram no princípio do fim do frio e da neve. A alvura começara a diluir-se para se abrir em verdes pedaços de terra que surgiam. Sob a copa aberta de uma cerejeira, segurou o cabo da espada com a mão direita e a bainha e a guarda com a mão esquerda.

Solenemente, contemplou, inclinando-se para baixo, o corpo e o seu sopro sagrado que em breve cessaria. Dali, se via ainda o prado onde morrera um e outro. Haviam morrido, porém ainda teriam a liberdade de partir com dignidade. No campo da batalha, agora coberto de um manto de sangue sobre o gelo e a neve, jaziam inúmeros os corpos já vazios. Embora com mais perdas, a batalha havia sido ganha, o inimigo retirara-se para não mais voltar. Igualmente, o seu líder ficara para sempre de peito aberto até que venha a apodrecer sob a terra.

Por isso mesmo, embora vencedores, a vida não teria agora a quem servir. E quem vive para servir, deixa de viver quando desvanece esse objectivo. Não é opção, é naturalidade. À medida que a primeira flor de cerejeira caiu da copa rósea, sentiram essa sua incontornável natureza. A flor não escolhera cair.

A mão direita cortaria agora a quadragésima sexta cabeça com a lâmina já baça do sangue que, frio, se espessava. Por detrás do homem ajoelhado, levantou a lâmina paralela ao solo sobre os seus ombros e por detrás do seu próprio pescoço. Quando o ajoelhado se penetrou e esventrou com a faca até às costelas, com a mão direita apenas, fez lançar sobre o pescoço num só golpe rápido e poderoso, a lâmina afiada do destino. Pendeu o corpo para frente, vazio, com a pele do pescoço segurando a cabeça ao tronco. Sacudiu o sangue vívido da lâmina, contemplando os quarenta e seis mortos esvaídos ao longo do campo branco e gelado.

Depois, sem ter quem lhe retribuísse a digna homenagem, tornou a embainhar a sua espada. Puxou com a mão direita o punhal e com o gume virado para os seus olhos, fê-lo entrar no seu corpo, sereno. Quando tombou, ainda viu tocar no chão a pequena flor, mesmo a seu lado.

- sem título -

sussurro.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

ver no escuro

todos nós podemos caminhar no escuro,
pelas vielas perdidas,
pelas ruas escondidas,
caminhar sob a chuva fria,
e sentir escorrer-nos pela fronte a água,
sentir nos lábios o sabor mais puro,
todos nós podemos,
podemos trilhar as vias da tristeza,
da dureza,
saltar o precipício e encarar nua
a morte e o futuro.
podemos caminhar sobre a terra ardida,
queimar os pés nas brasas que antecedem as cinzas,
ou voar pelo céu sem estrelas, navegar sem uma constelação,
e por aí nos perdermos sem sextante ou astrolábio.
todos é certo
podemos caminhar.
contudo,
espero,
que só chegue quem queira mesmo mesmo chegar.