segunda-feira, 9 de maio de 2011

conto em interrogação

que dizes do dia de hoje,
do espelho por onde te miras quando acordas,
do lavatório onde deixas descansar a lâmina da barba,
enquanto limpas o golpe que, sanguíneo, te mancha a toalha
antes alva?

que dizes do dia de hoje que perdeste nos ponteiros do relógio,
no fumo do cigarro que não te lembras sequer de queimar,
que se te esvaiu das mãos como areia da ampulheta que não te disseram
que iam virar?

que dizes do dia de hoje que passou,
que passou nas melodias da rádio,
nas folhas do jornal, no café quente,
nas palavras que disseste, nas que não pronunciaste
e nas de que não te lembraste?

que dizes do dia de hoje,
dos outros que não viste,
dos de cuja alma ou carne sequer te apercebeste?

está bonito, que o céu está limpo.
está bonito porque a lua está luminosa, pálida,
e a noite cálida.
está bonito o dia,
que não poderia ser diferente,
não existindo outra gente.

embora o espelho não tenha reflexo
e a tua toalha da manhã continue branca.

1 comentário:

good churrasco ó auto de café.... disse...

conto cEM, pontua acção
que dizes do dia de hontem,
do velho por onde te miras quando acordas,
que já foi novo em hontens mais arrecuados
onde deixas descansar a memória,

enquanto limpas o golpe que a faz escoar sem dor e sem remorso,

te mancha a alma
antes alva?

que dizes do dia de hontem que perdeste para sempre na luz que para o espaço voltou,


no fumo do tempo que não te lembras sequer de queimar,
que se te esvaiu das mãos como areia quartzitica ou feldspática da ampulheta cheia de pequenos e grandes pulhas

no país que não te disseram
que iam virar?

que dizes do dia de hontem que passou,e já não voltará

que passou nos rumores e nos silvos das cobras políticas e das mansas gentes que são o seu sustento,

nas folhas das vidas, na quente fé demo crática que se tornou fria,


esfriaram nas palavras que não disseste, nas que pronunciaste
e nas que não te lembraste que poderias dizer se tentasses abrir a boca?

que dizes do dia de hontem,
e dos outros que não viste e não verás
pois pertencem a outras gentes e lugares
dos de cuja alma sugastes

ou simplesmente apenas a carne desses dias que comestes